Personagem: Empatia x Simpatia

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Uma boa história deve ser capaz de envolver o público de tal maneira que se sinta cada movimento emocional de seu protagonista. O protagonista é quem carrega o público através da história. É muito importante que seja construída uma conexão entre o ser ficcional e o ser real. Para isso, é necessário gerar empatia por seu protagonista.

Empatia é a capacidade de ver e compreender a realidade através dos olhos de outra pessoa, de se colocar no lugar do outro. É isso que almejamos como escritores. Primeiramente, necessitamos de uma empatia com nossos próprios personagens. Só assim seremos capazes de criar a conexão com o público, quando nós mesmos somos capazes de estabelecer esse elo. É muito comum que um personagem mal desenvolvido gere apenas simpatia.

Simpatia é o sentimento de apreço e admiração pelo outro. Uma pré-disposição de querer agradar e estar com o outro. Traduzindo para o roteiro, é como se interessar por um personagem, mas não compartilhar da mesma visão que ele em suas ações. Para evitar que seu personagem gere apenas simpatia, é necessário criar um personagem complexo, com conflitos internos universais. Isto quer dizer que, qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo ou de uma sociedade específica, é capaz de se identificar com o que se passa dentro do personagem mesmo que nunca tenha vivenciado as mesmas circunstâncias. O autor de “Save the Cat!”, Blake Snyder, diz que uma boa história é aquela capaz de emocionar até um homem das cavernas. O sentimento é tão verdadeiro e tão inerente a raça humana que se torna impossível não se conectar com o protagonista.

Já usei como exemplos várias vezes neste blog o caso de “Procurando Nemo”, mas não há como evitar: a Pixar é f*** em criar histórias universais. Vamos pegar o exemplo de Marlin e Dory. Marlin é nosso protagonista que perde a esposa e todos seus filhos, exceto Nemo, e se torna uma pai superprotetor que faz de tudo para nada acontecer ao seu único filho. Quando Nemo é raptado, a única opção de Marlin é enfrentar os perigos do oceano e ir atrás de seu filho. Peraí. Quem, em toda a galáxia, não se identificaria com este personagem? Você pode até achar ele chato, mas já está conectado emocionalmente com sua jornada. Foi gerada uma empatia. Sobre Dory, temos um dos personagens mais memoráveis do universo da animação. Uma peixinha divertida e com problemas de memória que ajuda Marlin a encontrar seu filho. Rimos com sua imitação de baleiês e choramos quando fica presa em uma rede de pesca, mas nunca entramos na personagem. Há uma barreira que nos impede de se identificar com ela. Não somos Dory. Amamos ela, mas ela não nos representa (pelo menos no primeiro filme!). Tudo que sentimos por Dory é simpatia.

É interessante utilizarmos a empatia e a simpatia para criar nossos personagens. O protagonista, inevitavelmente, necessita gerar empatia. Ele não precisa ser o personagem mais legal da sua história, mas precisa ser aquele com quem o público se identifique mais. Se houver outro personagem que conquiste a empatia do seu público, talvez seja melhor torna-lo protagonista. A simpatia serve para nossos personagens secundários, aqueles seres únicos que nos atraem e enriquecem a história.

Sempre lembro do personagem Barney da série “How I Met Your Mother”, que roubou a cena e atraiu grande parte do público, mas a história principal é sobre Ted Mosby, um cara meio romântico que está atrás de conhecer a mulher de sua vida. Barney começa a história como um galanteador irreverente que dá dicas para o protagonista e ao longo das temporadas entendemos a razão do personagem agir desta forma. Mesmo assim, ainda não nos empatizamos porque as ações do personagem não correspondem ao que faríamos no lugar dele (Barney é uma versão exagerada de todos aqueles que já terminaram e saíram para “pegar geral” em festas). A empatia só é gerada quando Barney se dá conta de todas as más decisões que fez em sua vida, como todos nós, e culmina no ponto mais emocionante da série, quando Barney conhece sua filha. Obs: Desculpem pelo spoiler, mas nós, roteiristas, temos que nos acostumar a isso. O final da história não importa para o estudo e sim como fazemos para chegar até lá.

Sempre que começar uma nova história, tenha um olhar muito atento sobre seu protagonista. Seu conflito é universal? Seus amigos, seus pais, sua avó, conseguem se identificar com o que há nas profundezas de seu personagem? Mesmo que seja algo extremamente fora da sua zona de conforto. Pode ser uma criança iraniana que precisa devolver o caderno de deveres para seu colega de classe, como em “Onde fica a casa do meu amigo?”, de Abbas Kiarostami, ou um roteirista alcóolatra que perde a família, amigos e trabalho por causa de seu vício e decide beber até morrer em “Despedida em Las Vegas”, de Mike Figgis.

Crie personagens capazes de reverberar emoções em seu público. Você não quer que o público veja a sua história. Você quer que ele a SINTA.

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Publicado por

pedroriguetti

Roteirista.

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